quarta-feira, 29 de julho de 2015

MINHA PRIMEIRA SEMANA NA HOPE



Buenas, depois dessas 2 semanas na pediatria, finalmente comecei meu estágio na HOPE. Mas o que é a HOPE? É uma ONG, sediada no Tygerberg Hospital, que tem como objetivo trabalhar com HIV/AIDS e doenças relacionadas, no sentido de oferecer educação, tratamento e todo o suporte necessário para pacientes pediátricos. Apesar de sediada dentro do hospital, o trabalho vai bem mais além. Em resumo, pelo que eu vi até agora: a organização lida (de forma ativa e passiva) com muitas doações (sejam elas de pessoas físicas sejam doações periódicas de supermercados, por exemplo) e as administra e conforme a necessidade - se uma criança é admitida no Hospital e não tem roupas ou brinquedos ou material de higiene, a HOPE vai lá e resolve isso. Se a mãe não tem roupas ou material de higiene pra si, e mora longe demais pra buscar (já que muitas das internações são 'inesperadas'), a organização providencia esses itens pra mãe.
Do ponto de vista técnico, a HOPE participa de muitos rounds clínicos, no intuito de ajudar no manejo dos pacientes com RVD (A sigla significa 'Retroviral disease' e é usada MUITO por aqui - logo mais explico melhor, prometo). 
Pra esse post, vou fazer um breve resumo da minha primeira semana. No próximo post, após completar as 2 semanas na HOPE, comento da visão geral que tive sobre o HIV e todos os aspectos politico-sociais dele.

  • Segunda-feira: 
Conheci a Dr. Jayne (com quem eu já havia trocado diversos e-mails), minha "supervisora" aqui nessas semanas. Ela me explicou tudo sobre a HOPE, me deu uma aula particular sobre o panorama do HIV na África do Sul... foi fascinante! De quebra ainda me emprestou uns livros daqui, pra eu poder revisar o que quisesse. Importante salientar que ela estava muito empolgada comigo, porque ela estava acostumada com os alunos europeus (que praticamente não tem contato com HIV ou tuberculose)... e eu vim do nosso Brasil sil sil e da nossa amada Porto Alegre campeã de TB e HIV, né? Então, cada vez que ela falava de alguma droga sendo 1ª linha ou 2ª linha, eu emendava um "ah é? No Brasil, a gente usa essa como segunda linha" ou "ah, a gente não tem isso"... Resultado: ela me trata de uma forma muito profissional, me elogia pra todo mundo, discute caso de igual pra igual. Ou seja, tá sendo uma experiência incrível! No decorrer da manhã tive a oportunidade de ver vários dos materiais educativos que eles tem pra população, e são bem parecidos com as ferramentas que a gente tem no SUS. Ainda durante a manhã, fizemos um tour por algumas das 'comunidades' em que a HOPE trabalha. Foi MUITO interessante. Nada muito diferente das favelas brasileiras. Coisas interessantes desse tour:
- Numa das comunidades, no "centro comunitário" alguns dos moradores que trabalham com a HOPE estavam separando kits de higiene de avião. Óbvio que perguntei o que era... A história é a seguinte: A HOPE recebe muito apoio $$ de empresas alemãs. A Lufthansa doa os kits de higiene pra HOPE. Na HOPE, os moradores separam o estojinho - pras crianças usarem de estojo na escola! - e as escovas e pastas de dente são doados pras mães que estão com seus filhos internados no hospital. BAM! Isso mesmo, bem no meio da cara e no coração da gente.
- Ao contrário das favelas brasileiras, a maioria das 'casas' é composta por containers ou resto de containers. A comunidade que visitamos é cercada, e é uma "concessão" do governo, que está construindo casas de verdade pra eles. Assim, eles possuem fiação elétrica - mas estão sem luz porque alguns dos próprios moradores insistem em roubar os cabos (BAM!) assim como acontece no nosso país. As "casas" não tem banheiros, mas eles tem uma instalação de banheiro comunitário (um pra cada 40 pessoas, mais ou menos - BAM! de novo).
- Assim como acontece com as favelas brasileiras, a comunidade não quer sair de lá. Um deles me falou que o principal motivo é que eles acham que as casas que o governo construiu não são boas. "A gente viu construindo, as paredes são muito finas". Posto a foto das moradias novas, pra vocês mesmo pensarem se faz algum sentido que seja mais insalubre morar aí ou em containers com banheiro compartilhado com mais 40 vizinhos. E não me venham com discursinhos de esquerda. 


  • Terça-feira:
Meu dia começou com um round no hospital com o departamento de pediatria. Nesse round só são discutidos os casos difíceis, seja do ponto de vista técnico com o HIV (resistência medicamentosa, alguma doença oportunista macabra, etc) seja do ponto de vista social (criança que não tem ninguém que cuide dela, família que não aceita diagnóstico... enfim). Assim como no Brasil, os problemas sociais são sempre a maioria. Após o round, fui acompanhar uma das médicas no ambulatório de... adivinhem, HIV. Eles separam as crianças por idade, então cada dia é uma determinada faixa etária. Uma média de 15-20 pacientes por manhã. Bem tranquilo até. Foi bem interessante ver o manejo e poder discutir coisas bem práticas. E os pacientes que, né, coisamaisquerida.

À tarde, eu e a Dr Jayne fomos encontrar um dos experts em Toxoplasmose aqui. Eles tem um baita laboratório e esse cara está fazendo uma pesquisa bem grande sobre Toxoplasmose, que eles também tem bastante aqui. A Dr Jayne sempre mandava os alunos lá, mas nunca tinha ido. Resolveu ir comigo e acabamos os três tendo uma tarde extremamente enriquecedora sobre Toxo, novamente traçando mil paralelos entre a realidade brasileira e a sul-africana. Confesso que adorei ser tratada de igual pra igual e me surpreendi com o quanto eu sei de toxoplasmose, hehe. Mas enfim, foi muito legal ver os resultados parciais do estudo deles aqui, discutir coisas básicas e raciocinar em conjunto por horas. 
  • Quarta-feira:
Na quarta, fui junto com a residente de Virology pro ambulatório de... HIV! Mas dessa vez, pro de adultos. Nem preciso dizer que foi bem legal, né? Não vou entrar em detalhes porque ninguém lê isso aqui pra saber sobre perebas... mas basta saber que eu aproveitei bastante.

  • Quinta-feira:
Tirei o dia de folga porque tava meio gripada (todo mundo aqui tá pestiado #inverno). Mas juro que li um pouco dos livros que a Jayne me emprestou. Tomando uma taça de vinho, mas li.

  • Sexta-feira:
Esse foi o dia mais legal de todos. Sexta era o dia de ir no ambulatório fora do hospital, que fica num posto de saúde na periferia. Mas bem periferia mesmo. Como eu tô com carro aqui, a Dr Jayne perguntou se eu me importava de ir sozinha até a Delth Clinic, porque é longe e fica bem fora de mão pra ela me pegar no campus. Eu obviamente aceitei a aventura. E foi a coisa mais incrível. 

Podia ser qualquer lugar da periferia em Porto Alegre, né?
Primeiro que eu consegui chegar lá dirigindo sozinha. Segundo, eu parei o carro na entrada do posto e o guarda abriu a cancela pra mim com um "good morning, doctor!", sem eu dizer nada (aqui eles não me confundem com criança!). O ambulatório durou a manhã toda, mas foi sensacional. Muitos pacientes, muitas mães confusas, muita criança ranhenta... aquela coisa toda que só quem vive sabe. Pude ver a primeira consulta de um bebê de 2 semanas pra começar os antiretrovirais, o que foi um aprendizado e tanto. A Dr Sue me colocou pra trabalhar mesmo e eu fiquei zanzando pelo posto diversas vezes, seja pra pegar medicamentos na farmácia (pra ensinar a mãe como usar cada um), seja pra achar alguém que falasse Xhosa (porque inglês e Afrikaaner não é suficiente aqui) e que pudesse ser nossa intérprete com uma das mães. Novamente, diversos problemas sociais no meio do caminho, que impedem que crianças recebam o tratamento adequadamente. Sejam dificuldades na língua, seja não ter dinheiro pra pegar a van e vir no posto pegar a medicação, seja não ter geladeira pra guardar o remédio... tudo isso bate forte na gente. Porque tem se desenvolvido um mundo inteiro de tecnologia sobre o HIV e tem coisas básicas que a gente não tem como resolver.

Uma foto do consultório... a estrutura do posto é bem nova, tudo reformado. Pra traçar um paralelo, é como na Restinga - comunidade carente, mas uma estrutura novinha pra atender uma quantidade enorme de pacientes.
Terminamos as consultas e eu embarquei na aventura de voltar pro campus. Completamente realizada. E por mais bizarro que me pareça, enquanto dirigia no meio da periferia, com uma rádio africana qualquer ao fundo, foi a primeira vez que caiu minha ficha: eu tô na África. Realizando o meu sonho de ver e viver tudo isso.Tenho que confessar que caiu ~umas lagriminhas~ enquanto eu sorria sozinha dentro do carro. 
E nada mais justo do que ter esse insight depois de uma semana dessas, quando podia ter ocorrido no topo de qualquer um desses lugares turísticos. Foi pra isso que eu vim. E não tem coisa melhor do que essa sensação de olhar ao redor e saber que tu não quer estar em nenhum outro lugar no mundo.

Fim da minha primeira semana! Logo mais escrevo sobre a segunda semana e tudo o que eu penso sobre o que vi aqui!

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