terça-feira, 21 de julho de 2015

PAEDIATRICS EXPERIENCE

Como já falei em post anteriores, minhas duas primeiras semanas nesse estágio na África do Sul eram na pediatria. Esse post é pra provar que nem tudo é turismo e eu realmente tenho trabalhado aqui, hehe. 
Inicialmente, eu ficaria uma semana na "General Paeds" e outra semana em alguma especialidade pediátrica. Porém, logo que eu cheguei no hospital me deparei com um mundo completamente à parte. Não pelas doenças ou pela estrutura do hospital, mas porque tudo é em inglês. E o inglês da conversa até eu consegui me acostumar, mas GENTE, se vocês acham que os brasileiros escrevem muitas siglas, vocês precisam ver isso aqui. E, pior, as siglas são todas em inglês (obviamente). Então, levou um certo tempo (e uma dose de paciência dos 'local students') pra eu me acostumar e entender as principais siglas. No fim da minha primeira semana, eu estava começaaaando a me sentir ambientada e segura pra assumir algum paciente. Assim, mandei um email pra minha preceptora e perguntei se eu não poderia passar essas duas semanas na pediatria geral - porque obviamente ia aprender muito mais. Como manda o protocolo, enviei um email de trocentas linhas me justificando e pedindo gentilmente pra ficar mais uma semana; e, como todo professor ao redor do mundo, recebi a resposta "ok!" -- adoro. 
Enfim, passei mais uma semana na General Paeds. Minha rotina foi basicamente chegar no hospital às 8h, ver uns pacientes, evoluir, passar no round eeee that's it. Todo dia lá pelas 13h eu já estava de volta no aconchego do nosso alojamento - por isso tantas fotos turistando por aí. 
Como falei em outro post, o hospital da universidade é público. Mas tirem da cabeça o Hospital Santo Antônio ou qualquer outro dos hospitais da Santa Casa. Se quiserem imaginar como é o hospital, pensem no Conceição, mas daqui uns 10 anos, sem reformas, sem investimento. E não, a África do Sul não é um país pobre. Mas não possui investimento suficiente em saúde e tem muita corrupção - lembra algum país? Os europeus que moram comigo ficam muito assustados e deprimidos com a situação do hospital, e toda essa questão política/econômica/social, enquanto eu... tô me sentindo em casa. Valeu dilma!  
Mas, assim como no Brasil, boa vontade é a regra nos profissionais. Todas as paredes da ala da pediatria são pintadas à mão com cenas da Cinderela, Branca de Neve, Pocahontas, Tio Patinhas, a Bela e a Fera, Ben10, tartarugas ninjas e muitos outros desenhos. Muito da mobília dos quartos é antiga/ultrapassada, e dá aquela imagem de "África" que todo mundo tem em mente. Mas tem todo o outro lado. Algo que a gente já ouviu falar sobre os médicos brasileiros no exterior - quando a gente tá acostumado a não ter recurso, nos tornamos excelentes médicos. Aqui os médicos dão um banho de conhecimento. Os europeus falam todo santo dia "meu professor aqui é ótimo, melhor que os da minha universidade", "tem que ver a aula que eu tive hoje no round", "os caras sabem muito". E, sim, sabem. Todos os médicos que eu tive contato até agora sabem tão profundamente os assuntos, dominam e vão do conhecimento básico ao avançado em segundos. E a minha impressão é de que os alunos aqui estudam TANTO. Óbvio que não dá pra falar de todos, mas os que eu conheci, cada segundo livre é um segundo pra estudar - e não um segundo pra tomar um café beber e fazer festa.
Durante essas duas semanas, acompanhei os alunos do 3º ano. Foi uma troca muito interessante: elas me ajudavam com o inglês e as siglas, enquanto eu ajudava com a Medicina - porque essa é universal. Respondi perguntas sobre ausculta pulmonar, bronquiolite, antibioticoterapia, sobre como passar um caso e como palpar um fígado. Aprendi que GAEB significa good air entry bilaterally, que PCR em inglês vira CRP, que B/C é blood culture e que CXR é chest x-ray. Aprendi mais mil siglas e mnemônicos. Vi crupe, pneumonia, bronquiolite, infecção urinária, sepse, meningite. Vi umas crianças lindas. Vi umas crianças com olhos tristes. Vi umas crianças que me apaixonei e fiquei com vontade de levar pra casa - mas fiquem tranquilos que não sequestrei ninguém. Tecnicamente, fui forçada nos rounds a lembrar que antibiótico cobre o quê, que Listeria é um bacilo e quais os valores de glicose e proteína no líquor são indicativos de meningite bacteriana ou viral. Descobri que nossos laboratórios são muito rápidos e eficientes, e que a gente sente saudade do Tasy quando tem que evoluir prontuários à mão. Descobri que os acadêmicos, independente do país, ficam zanzando pelos corredores sem ter o que fazer - até que alguém finalmente libere eles; descobri que rounds intermináveis não são exclusividade brasileira.
Acima de tudo, descobri que o ser humano passa pelos mesmos problemas em qualquer lugar do mundo. E que mães tem os mesmos olhos assustados independente de falarem inglês, português, Afrikaner ou Xhosa. E que a gente não precisa saber nenhuma dessas línguas pra cuidar de alguém. Muitas vezes um sorriso, um aperto de mão, um balão feito de luva ou uma careta são capazes de acalmar mães e filhos.

Pra ilustrar esse post, duas fotos com meu xodó da internação, que todo dia corria pra me dar um abraço e me mostrar os tênis de luzinha. No último dia, passou a manhã toda comigo vendo os pacientes "Doctor, look, I'm a doctor too", "I will see some patients", "this one can go home". Nunca vou me esquecer desses olhinhos brilhantes cada vez que eu emprestava meu estetoscópio e ela saía a auscultar o coração de todas as mães e crianças do quarto.



Todas essas coisas que eu relatei acima fizeram minhas duas semanas muito intensas e me ensinaram muito, sobre Medicina e sobre pessoas.
E vamo que vamo, que temos mais 4 semanas pela frente!

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